quinta-feira, 10 de novembro de 2016

'pra pular



noturno da avenida jaguarari

quando fui a ser-te
deixei de dançar aos passos do sul

a doença como virtude em si mesma.
sem explicação.

se eu fosse arquiteta, poderia ser arquiteta, mas não
enfurnada numa casa que deram por minha
no salto que me fizeram areia entre os dedos

tenho brincado de muitas coisas, um empreguinho de vilanias
ainda e de novo, convale-sendo, me enganado e ao outro.

quando não podia a palavra dizer, dançava

agora olha, eu minto. eu não sei esse nada
as colagens, a pintura,  o concerto, a partitura

digo - te amo, a tudo que é parede, elas me sabem. eu não
tenho saudade de nenhum parente, mas de tudo o que não pude ter sido
o tempo que não passou, os dentes furados da escavação e a geografia afetiva.

eu sei o banho e as baratas. eu sei o acordar, abrir os olhos
eu sei a lembrança persistente de alguma extinta irmandade quando capotava.

TEMOS DEIXADO MUITAS COISAS PRA DEPOIS

o arroz mofado por jogar fora, os cacos do cinzeiro por juntar, fazer amor
encontrar um rio pra ter o filho com fluidez, se afogar e se deixar a-

deus,

desnorteada, que vim a ser-me?
*

artaudniana nº2

espero frente aos táxis o homem que virá me buscar.

não é filho, pai, amante, irmão
um homem que vem em lugar do outro
que não poderia, da mulher que não quereria.

isso não é um escape
eu o espero

com a calcinha rasgada e suja da noite passada na bolsa
peça que querem, riem, escarnecem.

ele não. talvez sim.

poderia um homem diferir tanto dos demais
e ver além o que mostro sem-querer por insistência
dos meus pés em roda de samba, do vento macho?

espero-o ao passo que penso definhar e relembro
as auroras enlouquecidas, a caipirinha e o óleo em abuso.

que fazer, camarada, pra acabar com o juízo de deus
enquanto espero cerrar os lábios findos, enfim anoitecer?
*

pra acabar com o freudianismo, balada pra o bastardo que dança em meu ventre

empresto meus ovários, doo
meus melhores cromossomos ipsilones

mamãe não me dá dinheiro, há que sobrar
para as pedras dos amantes, a dança da cópula
e o esmalte pra o ranger dos dentes

faço tudo
um container de lixo, caixas eletrônicos
semi-acordada, disléxica

tenho muitos anos e poucas rugas
ou o contrário

não me lombro

podia ter um filho
grande, enorme
de onde me sairia mais ainda

jamais faria uma cesariana
descia de cócoras às minhas margens
e bebia meu sangue pra nunca
deixar de ser encarnada

mas é sorte dele não ter nascido
quereria voltar, expulso do mundo
voltava e pisava em meu câncer
até doer o útero, e eu gostava

pego com os dedos a maravilha
e quase posso crer na divindade das coisas
ele é miúdo, miúdo, contrário
à gravidez, quinhentas vezes mais

enfio as mãos dentro de uma mulher
eu não sou misógina
eu quero machucar mamãe

prometi escrever ao filho
ou nunca mais escrever

sem resposta, matei o carteiro
mendiguei, dormi atrás das grades
pra me manter viva de verdade

o aborto, o concebo, o amo

monossilábicas, monólogos
ao pé do próprio ouvido
\\\\

1 comentários:

Primeira Pessoa disse...

voc6e escreve cada vez melhor, ninuska. tenho muito orgulho de você.

beijos

r.