noturno
da avenida jaguarari
quando fui a ser-te
deixei de dançar aos
passos do sul
a doença como virtude
em si mesma.
sem explicação.
se eu fosse arquiteta,
poderia ser arquiteta, mas não
enfurnada numa casa que
deram por minha
no salto que me fizeram
areia entre os dedos
tenho brincado de
muitas coisas, um empreguinho de vilanias
ainda e de novo,
convale-sendo, me enganado e ao outro.
quando não podia a
palavra dizer, dançava
agora olha, eu minto.
eu não sei esse nada
as colagens, a
pintura, o concerto, a partitura
digo - te amo, a tudo
que é parede, elas me sabem. eu não
tenho saudade de nenhum
parente, mas de tudo o que não pude ter sido
o tempo que não passou,
os dentes furados da escavação e a geografia afetiva.
eu sei o banho e as
baratas. eu sei o acordar, abrir os olhos
eu sei a lembrança
persistente de alguma extinta irmandade quando capotava.
TEMOS DEIXADO MUITAS
COISAS PRA DEPOIS
o arroz mofado por
jogar fora, os cacos do cinzeiro por juntar, fazer amor
encontrar um rio pra
ter o filho com fluidez, se afogar e se deixar a-
deus,
desnorteada, que vim a
ser-me?
*
artaudniana
nº2
espero frente aos táxis
o homem que virá me buscar.
não é filho, pai,
amante, irmão
um homem que vem em
lugar do outro
que não poderia, da
mulher que não quereria.
isso não é um escape
eu o espero
com a calcinha rasgada
e suja da noite passada na bolsa
peça que querem, riem,
escarnecem.
ele não. talvez sim.
poderia um homem
diferir tanto dos demais
e ver além o que mostro
sem-querer por insistência
dos meus pés em roda de
samba, do vento macho?
espero-o ao passo que
penso definhar e relembro
as auroras
enlouquecidas, a caipirinha e o óleo em abuso.
que fazer, camarada,
pra acabar com o juízo de deus
enquanto espero cerrar
os lábios findos, enfim anoitecer?
*
pra
acabar com o freudianismo, balada pra o bastardo que dança em meu ventre
empresto meus ovários,
doo
meus melhores
cromossomos ipsilones
mamãe não me dá
dinheiro, há que sobrar
para as pedras dos
amantes, a dança da cópula
e o esmalte pra o
ranger dos dentes
faço tudo
um container de lixo,
caixas eletrônicos
semi-acordada,
disléxica
tenho muitos anos e
poucas rugas
ou o contrário
não me lombro
podia ter um filho
grande, enorme
de onde me sairia mais
ainda
jamais faria uma
cesariana
descia de cócoras às
minhas margens
e bebia meu sangue pra
nunca
deixar de ser encarnada
mas é sorte dele não
ter nascido
quereria voltar,
expulso do mundo
voltava e pisava em meu
câncer
até doer o útero, e eu
gostava
pego com os dedos a
maravilha
e quase posso crer na
divindade das coisas
ele é miúdo, miúdo,
contrário
à gravidez, quinhentas
vezes mais
enfio as mãos dentro de
uma mulher
eu não sou misógina
eu quero machucar mamãe
prometi escrever ao
filho
ou nunca mais escrever
sem resposta, matei o
carteiro
mendiguei, dormi atrás
das grades
pra me manter viva de
verdade
o aborto, o concebo, o
amo
monossilábicas,
monólogos
ao pé do próprio ouvido
\\\\
1 comentários:
voc6e escreve cada vez melhor, ninuska. tenho muito orgulho de você.
beijos
r.
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