sábado, 30 de dezembro de 2023

adiós, 2023!

euzinha no provador de uma loja experimentando esse lindo vestido que nunca irei comprar, só pra fazer essa foto de fim de ano! :))

 

eu gosto de fazer retrospectivas. 

lembro de quando eu era bem pequena e meu pai contava causos bíblicos que não tinham nada a ver com a gente; minha mãe tentava tatear seu próprio passado sem poder contar com nada além de uma memória fragmentada por traumas. 


depois, quando comecei a escrever, fazia listas dos livros que li durante o ano como uma forma de lembrar meus caminhos junto das leituras e tudo o mais que acontecia fora do mundo que era meu ideal.


hoje, na verdade há uns três anos, eu já posso fazer minhas restropectivas a partir de coisas que ‘realizei’ durante o ano.


a maioria das traduções que fiz e que foram publicadas este ano, foram feitas no ano passado e até bem antes; assim como meu livro "Elza" que escrevi em 2021-22 e mesmo os eventos e textos que publiquei em sites e revistas não foram concebidos esse ano; é preciso tanto pra se escrever...

quer dizer, “há o tempo de plantar e o tempo de semear”, ou ainda “quem vê close, não vê corre”. ou como disse Conceição Evaristo, num dos melhores momentos que vivi este ano "quem vê a gente vendendo livro hoje, acha que a gente nasceu no glamour".

portanto, camarades, sem julgamentos, estamos plantando ;)


minhas retrospectivas foram de realizações, embora voltando para o mundo (sim, é o mundo de diversas maneiras e em diversas dimensões que me possibilita “fazer”). 

não foram reflexões, digamos, mais espirituais, sentimentais ou “essenciais”. 

venho de uma família e de um tempo onde fazer análise é um ~luxo~ e a verdade é que tudo que fazemos, seja na vida pública ou privada, está totalmente intrincado.


“mas agora eu também resolvi dar uma queixadinha/ porque eu sou um rapaz latino-americano/ que também sabe se lamentar.”


esse ano eu engordei 15 quilos!

no segundo semestre tive uma misteriosa infecção nos olhos que se estendeu por muito mais tempo do que imaginávamos eu e a equipe médica; quando voltava de uma viagem à SP no início desse mês tive covid e alguns sintomas (ó, meu pai, não vamos dizer sequelas) ainda passeiam pelo corpo, especificamente uma estranha dor nos pés.


“quem vê close, não vê corre”, risos.

eu acredito que isso tenha a ver com os anos de pandemia, quando não sai de casa nem pra fumar um cigarro e me enfiei no trabalho como se fosse minha tábua de salvação (além, é óbvio, daquele medo que todas as pessoas que foram muito pobres têm de voltar à miséria material. dizer não é algo muito difícil quando você é uma mulher negra, periférica, mãe-solo e podem nunca mais te oferecer trabalho e aí lascou). 

e depois, findada à quarentena, lidei com o fim de um longo relacionamento, mudança de trabalho, mudança de casa, questões familiares, pessoas que amo com inúmeros problemas de saúde mental e tentando abreviar suas vidas… lidei com tudo isso com a força descomunal do meu orì e: trabalhando muito - parece coisa de maluco, mas sim, o trabalho me centra e me torna à mim.


então, eu acredito que isso aconteceu com meu corpo - o alargamento, as doenças respiratórias e dos olhos, como um abracadabra que me diz: hey, olha pra dentro, mulher!


e eu tô olhando, olhando bem muito. daqui de dentro já até fiz pela primeira vez minha resolução de fim ano:


  • fazer pilates, yoga e natação
  • meditar
  • ficar mais quieta
  • não consumir substâncias que sei que me fazem mal.


que seja um bom lugar, esse lugar que não conhecemos mas que estamos plantando, o futuro.


feliz ano todo, pessoal <3

terça-feira, 23 de agosto de 2022

Gorila, meu amor!

 


tenho sorte IMENSA de ter traduzido este livro.

(e estudo e competência, óbvio)

*


dia desses conversava com minino que me disse com cara de bocó “estava pensando nas coisas que você perdeu”.

por estes dias também conversava com um editor e amigo e ele disse “vc não sabe o quanto me fez bem te ouvir. resgatar a esperança que a gente pode se sentir em paz mesmo com tudo ao redor acontecendo”.


e embora tantas coisas perdidas no fogo, embora tanto afogamento (palavra bunita), me sinto com o corpo tão aberto (e fechado).

sou uma pessoa muito aberta pra sorte. 

sorte não é privilégio, não é agência, não é direito.


também já escrevi pra minino: “sorte. que os caminhos estejam abertos. dádiva. que se chover eu fique molhada y se o sol torar os cornos que estejamos aquecidos… a verdade é que sou uma pessoa aberta pra sorte.”


tenho a sorte, por exemplo, de conseguir escrever, até no meio do fogo e da água toda. 

a sorte de ter conseguido alcançar línguas, quando na infância/ adolescência, parecia a coisa mais distante do mundo e reservada a raras pessoas ~por herança~ divina, ou de classe/ raça/ gênero, ou whatever, imagina tudo junto.

sei que tive sorte de atravessar uma bolha quase instransponível e que isso não se deve apenas ao meu estudo, trabalho e esforço: óura, tanta gente estaria aqui agora, mas não estão.

*





um dos maiores aprendizados que tive durante o processo de leitura/ tradução deste livro foi sobre a “voz” - se vivo e convivo em ambientes e com pessoas específicas; se tenho minha maneira única de pensar e agir no mundo, é evidente que minha “voz”, será única.

nos quinze contos desse livro, podemos perceber a voz própria de toni cade bambara dando unidade ao livro, ao mesmo tempo que cada voz narradora, em cada um dos contos, é única, por mais que tenham semelhanças sociais ou até psicológicas. 

aprendi, como um reconhecimento, que nossas condições não nos determinam e não devemos ser vistas ~apenas~ como sujeitas da coletividade (“o mundo-dentro é tão real quanto a execução de kadafi” escrevi na “duração do deserto”). 

e ainda que, ao narrar, mesmo com toda implicação social, um fato que existe e ponto; junto dos mundos-dentro, junto de algo tão único. parem de nos matar e de nos definir: não queremos e nem precisamos de suffering-porn (“o tecido de nossa pele não é nosso único orgão”, diz marcelo ariel; e bell hooks “não é só minha pele que me define”; e meu irmão poderia ter dito “estou preso, não sou preso”).


somos únicas, únicas. e maravilhosas, produzindo, fazendo e acontecendo. em coletividade.

*




(depois de toni cade bambara)


aquele tipo de mulher 

que atravessa o delta

esgarça poemas meu bem

arregalase meu bem

goza junto meu bem

sangra junto meu bem

 

estou sangrando meu bem

e é água encarnada like dark 

e é una montana

e é una playa 

mango leaves meu bem

 

lambo meus lábios

atravesso o delta 

sangro junto meu bem

nessa onda nessa onda

de calor meu bem 

de va gar de va gar

 

soy una gorila meu bem

*


é tanta coisa, que não caberia nunca post, por mais que me ilumine.

que sorte se saber.

*




sorte a sua, será ler este livro ;)

*



terça-feira, 5 de julho de 2022

what happened was my fucking life

 transtornada 

em sua individualidade radical

 

miss simone tomou

ansiolíticos

anticonvulsivantes

antidepressivos

antipsicóticos

hipnóticos

estabilizadores de humor

eletrochoques

 

(wanting and not wanting

all the same thing)

 

um mergulho contínuo no horror

 

todo mundo 

escondia de toda a gente 

a bipolaridade de miss simone

 

mas ninguém escondia

os episódios

 

pileques

brigas

casos de família 

amantes 

incidentes acidentes inconvenientes 

toda a convulsão televisionada 

agressiva instável lasciva

briguenta demais

fácil demais

desequilibrada demais

louca

 

not mammie

preta demais

 

quinta-feira, 28 de abril de 2022

"A melhor mãe do mundo" tá nazárea!


quem é a melhor mãe do mundo? para cada criança sua própria mãe; para mim todas (ou quase)! mas essa Mamma Bird é mesmo muito especial, ainda mais ouvindo assim, da sua cria! 🧚🏿‍♀️

 "Minha mãe é a melhor mãe do mundo! / Quando eu digo isso assim, de supetão, todo mundo duvida, / tiram onda comigo, entram em arenga..."


quem ou quê seria a melhor mãe do mundo?
a minha, a sua? algo escrito e jamais sido?
pra maioria das crianças são as suas sim, não importa como sejam ou como a sociedade espera que elas sejam. lembro muito de quando iniciei minha jornada como mãe e, cheia de culpas e incertezas, minha sábia amiga @robertasilvapinto me aconselhava: “calma, quer saber se tá acertando? é só ver sua filha tá feliz” <3 porque obviamente até quando a pequena dormia na rede da praia tinha gente pra dizer que: ó que mãe horrível.

obviamente esse livro não é apenas sobre frufru, não sobre “lugar comum”, não é mela-cueca, risos. é um livro que toca em privações, mas reflete muito mais sobre nossa comunidade de afetos, sobre se movimentar e, mais que uma maternidade, uma vida em que acredito: comunitária, livre.

quero muito, muito, que crianças e pessoas de todas as idades, gente de toda a idade e todo canto, leia esse livro. talvez a coisa escrita mais bonita que já fiz, e que ganhou uma nova vida e novo sentido, aliás deu sentido à comunidade, com as ilustrações de @veriscarpelli 🧚🏿‍♀️


digo sem medo de exagero: o livro mais incrível que escrevi está vindo ao mundo! meu primeiro livro infantil! 🥳


gracias, eternas gracias a todes que acreditaram e fizeram possível. olive, como diz a minha cria 🖤


clique aqui para conhecer mais e adquirir o livro! 

terça-feira, 19 de outubro de 2021

3 despachos - despacho nº 7

traduzi os três poemas fabulosos abaixo para o 7º número da revista despacho editada pela corsário-satã e com curadoria de fabiano calixto. deixo os poemas aqui e o convite neste link para que leiam a revista completa. tá peso.


Ode à gentrificação

Samantha Thornhill

 

Moradores coroas desse

bairro branqueado-qboa dão a letra:

a coisa mais autêntica

dessa rua reinventada

na madame branquela

e no seu yorkie

é o couro da coleira

que os acorrenta.

 

Seu próprio nome, um estilhaço

de vidro profundamente enraizado na banha

do nosso vernáculo. Gentrificação,

justamente confundida

com justaposição:

cults bacaninhas com arrogância,

grilagem de terras,

arranha-céus depressivos,

bodegas suspirando soja.

 

Meninas e moleques peruanos engordam

geladeiras com puríssima água Fiji entre

uma e outra tarefa de casa, enquanto papai

prepara e reparte tudo e mamãe

se preocupa com os registros de energia.

 

Fazendo fita pra tua gratificação,

O nascimento é gratidão – irmã

gêmea do arrependimento.

Me chama de arrependida.

 

Foi mal aí te agradecer

pelo jeitinho que

participo da sua cruel

e conveniente, mágica.

 

Por remover

as famílias que sonharam

onde minha cabeça hoje descansa.

 

Ontem, as roupas voltaram da lavadeira

mais límpidas que sinos, lingeries

acariciadas pelas mãos

de outra mãe.

 

Sento em cima da cara

seu lado da moeda,

bebendo a escória azul do céu

enquanto os adolescentes que ensino,

e as vóinhas pretas

duronas que dou um salve

e ofereço um banco,

beijam o asfalto.

--



Ode to Gentrification


Old school denizens of this

bleach-boned block say:

the realest thing

about the white woman

and her Yorkie

on this reimagined street

is the leather of the leash

that tethers them.

 

Your very name, glass

splinter planted deep in the fat

of our vernacular. Gentrification,

rightly mistaken

for juxtaposition:

pretty boys with swagger,

checkerboard trains,

skyscraper sadness,

bodegas sighing out soy.

 

Peruvian girl and boy fattening

fridges with Fiji between

homeworks, while Pops

slices and dices, and Mom

rocks the register.

 

Kissing cousin to gratification,

you birth gratitude—

twin to regret.

Call me regrateful.

 

I am so sorry to thank you

for the manner in which

I participate in your cruel,

and convenient, magic.

 

You ushered out

the families who dreamed

where my head now rests.

 

Yesterday, I retrieved laundry

cleaner than bells, unmentionables

caressed by another’s

mother’s hands.

 

I sit on the up-

side of your coin,

drinking down the sky’s blue

dregs, while the teens I teach,

and the sturdy black

grandmothers I salute

with my seat,

kiss concrete.

*

 

Carvão

Audre Lorde

 

Eu

A suprema pretura, que fala

Das profundezas da terra.

Existem muitas maneiras de se abrir.

Como um diamante se abrindo num nó em chamas

Como um som se abrindo numa palavra, colorida

por quem assume os riscos para falar.

 

Algumas palavras são abertas

Como um diamante em vidraças

Cantando na cadência do sol que as atravessa

E também há palavras como desafios grampeados

Em blocos-de-notas – listar, comprar e descartar –

Aconteça o que acontecer, todas as possibilidades

O canhoto permanece

Um dente mal-arrancado com uma borda lascada.

Algumas palavras vivem na minha garganta

Se reproduzem como víboras. Outras conhecem o sol

Buscando como ciganas sobre a minha língua

Explodir pelos meus lábios

Como jovens pardais explodindo sua casca.

Algumas palavras

Me atormentam.

 

Amor é uma palavra que inaugura outra maneira de se abrir.

Como um diamante se abrindo num nó em chamas

Sou preta porque venho das profundezas da terra

Segura a minha palavra, como uma joia aberta em sua luz.

--

 

Coal

 

I

Is the total black, being spoken

From the earth's inside.

There are many kinds of open.

How a diamond comes into a knot of flame  

How a sound comes into a word, coloured  

By who pays what for speaking.

 

Some words are open

Like a diamond on glass windows

Singing out within the crash of passing sun

Then there are words like stapled wagers

In a perforated book – buy and sign and tear apart –

And come whatever wills all chances

The stub remains

An ill-pulled tooth with a ragged edge.

Some words live in my throat

Breeding like adders. Others know sun

Seeking like gypsies over my tongue

To explode through my lips

Like young sparrows bursting from shell.

Some words

Bedevil me.

 

Love is a word another kind of open –

As a diamond comes into a knot of flame

I am black because I come from the earth's inside  

Take my word for jewel in your open light.

*


MALCOLM X

Gwendolyn Brooks

Para Dudley Randall

 

Primordial.
Tipo puído-puro,
Tipo poderoso-parrudo.

Seus olhos eram de homem-falcão.
Ficamos perplexos. Vimos a virilidade.
A virilidade varrendo tudo, tornando o ar gutural
E nos impulsionando contra as muralhas.

E num momento sereno e essencial
Um sortilégio piedoso e vertical
Seduziu o mundo.

 

E nos abriu pra sempre porque -

Ele era palavra-chave

Ele era o cara.

--

 

MALCOLM X

Gwendolyn Brooks

For Dudley Randall

 

Original.
Hence ragged-round,
Hence rich-robust.

He had the hawk-man’s eyes.
We gasped. We saw the maleness.
The maleness raking out and making guttural the air
And pushing us to walls.

And in a soft and fundamental hour
A sorcery devout and vertical
Beguiled the world.

He opened us —
Who was a key.

Who was a man.

 *

terça-feira, 25 de maio de 2021

cidades fictícias & imaginárias: nos vemos no futuro :)

 há algum tempo recebi o feliz convite da Bienal do Livro Rio para dizer qual a cidade imaginária da literatura onde iria morar. deixo minha resposta abaixo, não sem convidar todo mundo para acessar a página da Bienal e conhecer as outras 4 cidades elegidas por Ana Maria Machado, Luisa Geisler, Raphael Draccon, Paula Pimenta :)

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Quando eu era piveta gostava muito de ler (e assistir) obras de ficção científica e fantásticas, como Viagem ao centro da terra, Eu, robô, Crônicas marcianas, Blade runner, A ilha do dr. Moreau, Admirável mundo novo, 1984, Metrópolis, A invenção de Morel, Cem anos de solidão… Não sei dizer bem como assimilava essas obras na infância, para além da ideia de fuga da realidade banal e possibilidades de outras narrativas, então foi já um pouco mais velha que comecei a me questionar: “Qual é o lugar das pessoas negras nessas obras? O futuro não tem lugar para as pessoas negras?”. O único livro do gênero que li que tinha uma personagem negra foi já na adolescência avançada, e na verdade era uma personagem “híbrida”, meio como a Mística dos X-Men: uma branca que ficava negra nas noites de lua cheia, em O cheiro de Deus, de Roberto Drummond. Por isso escolho morar numa cidade afrofuturista, onde as pessoas negras resistiram e sobreviveram à violência policial, às desigualdades, à falta de oportunidades, ao racismo institucional e estrutural. Um futuro no qual existimos não como pessoas escravizadas. A cidade que escolho tem gente preta criando e produzindo cultura — com altíssima tecnologia, aliás. Vou para essa cidade na “nave” Afrofuturista, de Ellen Oléria com Elza Soares. Esta cidade que é também Pajubá, da MC Linn da Quebrada. É Wakanda fazendo fronteira com as cidades de Octavia Butler, N. K. Jemisin e Tomi Adeyemi. É a cidade de A cientista guerreira do facão furioso, de Fábio Kabral, e das histórias da maravilhosa Lu Ain-Zaila. Nos vemos lá, onde o futuro é glorioso.

*